Se puderem façam isso, assim podem colocar perguntas com mais pertinência, conhecer o que ele fazia e tirar mais proveito dessa aula magistral - geralmente são três, este ano teremos pelo menos esta.
Esta foto foi tirada a 22 de Abril de 2019 no palácio presidencial, em Belém, quando a diretora do festival Correntes d'Escritas, Manuela Ribeiro, foi agraciada com a Ordem do Infante D. Henrique. João Morales segurava o carrinho de bebé do jornalista do JL Luís Ricardo Duarte, na foto estão também dois pilares desse festival da Póvoa de Varzim (o maior em Portugal no género, e pioneiro), e havia ainda um par de editores. Tudo aquilo que já vos disse sobre o espírito de comunidade está aqui representado, nesta deslocação para homenagear/prestigiar um «dos nossos».
Para quem não conseguiu abrir a ligação ao Público de 10/4, aqui fica o seu auto-retrato:
Chamem-me
João.
Sou
trabalhador independente (TI), realidade laboral que, com a pandemia, ganhou
alguma visibilidade, pela necessidade de alertar para as disparidades que nos encurralam,
apesar de colocarmos igual empenho, profissionalismo e dedicação fiscal ao de
qualquer outro trabalhador que tenha um patrão, um contrato, um rendimento
assegurado quando a facturação atinge o zero. A natureza dos rendimentos de um
TI oscila muito – num mês (ou mesmo num trimestre) pode ser de milhares de
euros, noutro pode ser nulo.
Vamos por
partes. Sou jornalista. Fiz o meu estágio no Diário de Notícias, em 1993.
Em Janeiro de 1997, entrei para os quadros do vespertino A Capital. Fui
fazendo o meu percurso na profissão, crescendo nela, até assumir a direcção da
revista mensal Os Meus Livros, no final de 2004, até 2012. Ou seja, de
1993 a 2012 fiz, única e exclusivamente, jornalismo, passando pelos diferentes
escalões profissionais, de estagiário a director.
Com o fecho
definitivo da revista, em 2012, num meio profissional completamente distinto
daquele em que me formei, não conseguindo colocação numa redacção, tinha dois
caminhos. Evitando render-me a um emprego despersonalizado cuja parca
remuneração seria acompanhada por uma óbvia frustração, optei por me aventurar
como TI, não apenas como jornalista, mas encontrando nos ensinamentos que uma
profissão com essa grandeza transporta fórmulas para conjugar comunicação e
cultura. Como diriam alguns gestores, fiz um spin-off da minha
actividade.
Nestes oito
anos, em paralelo com algumas colaborações na imprensa escrita, criei ciclos
com escritores (como faço há anos com a autarquia de Santiago do Cacém, e fiz
durante dois anos e meio na Livraria Almedina); entrevistas de vida ao vivo
(durante três anos, com a autarquia de Almada); moderei inúmeras conversas em
festivais literários (Ovar, Chaves, Sabrosa…) e ciclos diversos (como o Com
Todas as Letras, na Sociedade Portuguesa de Autores); desenhei formatos para
levar a BD ou a poesia a crianças e jovens (em bibliotecas e escolas); concebi
o projecto Literatura Língua Comum, para o Programa Escolhas; levei “25 Músicas
para o 25 de Abril” a bibliotecas e escolas; dinamizei formação sobre aspectos
menos comerciais da História da Música, integrei colectivos que juntam a
palavra dita e a música (em torno de Marquês de Sade, Jorge Luis Borges,
Fernando Pessoa ou Miguel Torga).
Destaco,
claro, o festival Livros a
Oeste, organizado pela Câmara Municipal da Lourinhã desde 2012, para
o qual faço a programação (manhãs, tardes e noites) e moderação das mesas. Este
ano, seria de 12 a 18 de Maio, por isso, o pico de adrenalina que costuma ser
essa semana para toda a equipa será em 2020 substituído pela chegada do pico da
pandemia, a crer em
algumas previsões.
Olhando para
todos estes projectos, por vezes, penso: jornalista? Divulgador? Artista?
Programador? Dinamizador? Empreendedor? Uma coisa é certa: TI. Tudo a recibos
verdes. E tudo isto impossível de levar a cabo neste momento.
O medo da
incerteza a cada mês e a procura constante de novos clientes (new business,
como dizem na Economia). O salto sem rede. Um TI não tem qualquer vínculo a
quem o contrata e, para poder receber um subsídio de desemprego, tem de ter
mais de metade do seu rendimento proveniente de um mesmo cliente. É fácil de
entender a raridade da situação (pensem num electricista, num canalizador, no
senhor que chamamos para pintar a sala ou arranjar o esquentador).
A primeira
frase deste artigo não é inocente; alguns terão reconhecido o início de Moby
Dick, a odisseia do Capitão Ahab, navegando enlouquecido atrás da baleia branca
que lhe levou a perna. Para que não nos afundemos na voracidade de ultrapassar
esta conjuntura, é preciso olhar para os TI com clareza e entender que alguém
que durante três meses passa um recibo de 400 euros não sobrevive
nos três seguintes com um terço disso, depois de a baleia Covid lhe
ter mastigado ambas as pernas. Como diria o grande Mário de Carvalho, era bom
que trocássemos umas ideias sobre o assunto…
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