quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Editar q.b.


Editar ou não editar? Muito, pouco ou nada? Para mim a resposta está algures no meio, num cruzamento entre o compromisso e o bom senso.

O nosso cérebro tem um superpoder peculiar que lhe permite descobrir à primeira os erros dos outros mas ignorar estoicamente os seus. Essa particularidade pode ser uma fraqueza quando escrevemos, mas é certamente uma força com que devemos jogar quando editamos. É bastante provável que o editor consiga detetar falhas na escrita e na narrativa pelas quais o autor já passou três vezes sem as identificar. Isso não deve ser desperdiçado, nem pelo editor nem pelo próprio autor.

Existe, porém, um momento em que se vai longe demais. Essa linha não será igual para todos os casos, mas, se o escritor deixa de reconhecer o seu próprio texto, então ela já foi definitivamente ultrapassada. Ao ler os artigos sobre Gordon Lish, o que mais me chocou foi descobrir que o editor alterava até os nomes das personagens de Raymond Carver. Aqui existe já uma imposição que não é aceitável e que demonstra um sentimento de posse sobre o texto – é uma maneira de se mostrar quem manda. É provavelmente a altura, se essa não tiver passado já, em que as alterações se tornam gratuitas.

Acima de tudo, para mim, as condições da edição devem estar previamente acordadas entre o editor e o autor. O autor deve poder confiar no editor no momento em que lhe passa o seu livro para as mãos. Humildade e bom senso – devem ser essas as especiarias que temperam a edição.


Inês Rebelo

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