sexta-feira, 1 de novembro de 2019

Prémio Não Li

Acho uma tristeza que o Prémio Leya não seja atribuído este ano, «por falta de qualidades das obras a concurso». E se for por falta de qualidade do júri? Como toda a gente sabe hoje, há uma triagem feita suponho que pelo pessoal da casa, e o que o «Júri» folheia nem a dez obras concorrentes chega, o mais das vezes. Neste caso, não sendo boas as que chegaram – se chegou alguma – o júri poderia ter-se dado ao trabalho de ir vasculhar nas que tinham ficado pelo caminho.
Pelo sim, pelo não.
Não entregar um prémio é aceitável, mas de evitar. Ora, calculando que a concurso devem ter ido umas centenas de originais, e sabendo nós que quando há muito material a atenção vira mais distraída, seria de ver melhor. E de ler melhor.
Mas isso, claro, dá trabalho. E ser júri só compensa se o trabalho que tivermos for inferior ao pagamento – seja este em pecúnia ou em «prestígio».
Fiquei magoado quando, em 1985, concorri a um Prémio Revelação e o júri não atribuiu o prémio a ninguém «por falta de qualidade das obras a concurso». Era um mísero Prémio Revelação, mas os senhoritos tinham o nariz empinado e a córnea obstipada. Como a vida dá muitas voltas, o livro foi publicado no ano seguinte (porque veio dos EUA a moda dos jovens escritores, e uma editora lembrou-se em boa hora de seguir a moda), e em 1987 com esse mesmo livro fui seleccionado por um programa norte-americano para integrar o grupo dos 15 «mais prometedores jovens escritores do mundo», e fui aos Estados Unidos durante mês e meio, participar em debates e receber uma dose cavalar de «energia positiva» (como hoje se sói dizer) e auto-estima que me foi benéfica e crucial para enfrentar a imoral preguiça moral e estética da lusa e louçã casta.
Nem oito nem oitenta. Eu não era a oitava maravilha do mundo. Mas também não era o abaixo-de-cão que aquele traste e triste júri decidira que eu era.
O livro – é o Hotel Lusitano – passadas mais de três décadas ainda é regularmente reeditado e traduzido e faz tudo menos envergonhar-me, embora eu já não seja a pessoa que escreveu aquele divertimento bem esgalhado, armado em salmão rude, pois ia contra a corrente da época: o odiozinho às histórias e o tão lusitano amor à «bela frase», ao marialva peralvilhamento da coisa escrita.
Quando o prémio é atribuído a alguém, mesmo que a um rival, significa que o acharam «melhor» – que correspondeu mais ao gosto literário dos membros do júri. Quando não é atribuído, a sensação de humilhação é total. Não prestamos. Ninguém presta.
Os candidatos tinham direito a outro tratamento. Posso estar a ser injusto (e aí peço desculpa), mas sabendo o que a casa gasta receio que tenha havido um olímpico desdém e uma patriótica leviandade na avaliação dos (duzentos? trezentos? quatrocentos?) originais enviados, por gente anónima ou menos anónima que merece respeito.
[Contracapa de Hotel Lusitano, 1986]

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