quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

A bibliodiversidade é uma preguiça do sistema?


A bibliodiversidade é um tópico complicado, uma vez que possui diferentes pontos de vista opostos e, por sua vez, aceitáveis. Do meu ponto de vista, a bibliodiversidade pode ser considerada fruto da preguiça do sistema. Cada vez existem mais pessoas a escrever e a querer publicar os seus livros e cada vez existem menos pessoas a ler e a comprar livros. Desta forma, é possível considerar que as editoras cada vez recebem mais manuscritos, no entanto, recebem cada vez menos dinheiro para os publicar.
Ora, este fenómeno instiga a autopublicação — processo que permite aos jovens autores concretizarem o seu sonho e às editoras ganharem dinheiro sem fazerem grande coisa a não ser colocar o seu nome nesses livros e permitir a distribuição em grandes superfícies onde permanecerão ocultados na enchente de livros disponíveis ou na caixa da qual nunca sairão sequer. A autopublicação cria um problema da bibliodiversidade excessiva e desproporcionada, uma vez que já não ocorre uma seleção criteriosa dos livros a publicar. Todos são autores e todos têm livros publicados.
Temos romances e thrillers invisíveis que pouco vendem e temos livros de conversas de Whatsapp de youtubers, bem como livros intitulados Tudo o que os homens sabem sobre as mulheres com 128 páginas em branco a vender centenas e até milhares. Agora pergunto, serão esses livros necessários, produtivos, geniais? Talvez, afinal de contas, satisfazem a mente de jovens ocos e criticam a dificuldade que os homens têm em perceber as mulheres como se o problema fosse inteiramente do sexo feminino.
Talvez o problema consista apenas em satisfazer a mente das pessoas que procuram a Grande Literatura. Passo horas numa livraria por duas razões: há demasiado por onde escolher e, simultaneamente, há muito pouco que me agrade. Às vezes, os milhares de livros disponíveis dão-me vontade de fugir dali. É demasiado por onde escolher e acredito piedosamente que uma seleção criteriosa dos livros a publicar só iria beneficiar o mercado literário. Afinal de contas, é mais fácil conseguir vender um livro no meio de cem do que um livro no meio de mil.
Contudo, entendo que as dificuldades económicas levem os vendedores a pensar que é melhor ter tudo do que não ter nada. Não é uma caraterística que apenas se aplica ao mercado editorial, mas a qualquer negócio em dificuldade. Existe tanta concorrência e tanto produto que as pessoas se perdem entre o querer tudo e o não ter nada. E, nós, como comerciantes, só queremos agradar o público, porque, por muito que queiramos publicar arte, ainda é necessário ganhar a vida de alguma forma.
O pensamento mudou de “Isto é o que gostamos, é isto que vamos dar aos leitores” para “Será que eles preferem branco ou preto? Talvez seja melhor pôr em todas as cores”. A bibliodiversidade é uma faca de dois gumes, uma vez que é o que permite ao mercado literário ganhar dinheiro e, ao mesmo tempo, perdê-lo.


Márcia Filipa

Sem comentários:

Enviar um comentário

Aula 2 - visita de estudo: um lançamento

 Obrigado por terem vindo ao lançamento com entusiasmo. Terão reparado que havia uma sala em baixo, depois fiquei lá a conversar com um par ...