sábado, 21 de março de 2020

Ganhar dinheiro, perder leitores?

Nos próximos tempos vai ser difícil ganhar dinheiro com a indústria do livro - sobretudo em papel, o digital tem aqui um novo impulso.

Em qualquer crise, há vencidos e vencedores. O livro em papel, que tem como vantagens precisamente o afecto, o contacto humano, a livraria como espaço convivial onde passamos olhos e dedos pelos livros, os folheamos, os viramos ao contrário, lhes consideramos o preço, os cheiramos até, é nesta crise um perdedor. Mas podemos pensar nisto como uma partida de futebol em duas mãos, daquelas nos torneio tipo liga dos campeões: quando estamos a perder, nem sempre tentar empatar é a melhor solução, por vezes mais vale reduzir os danos, perder por poucos, a fim de na segunda mão (quando jogarmos em casa, o que aqui não soa tão bem como habitualmente) tentarmos dar a volta ao resultado.

Neste momento, toda a gente perde dinheiro. Uns mais que os outros. Os que tinham uma agenda mais preenchida mais ainda. Um artigo no The Guardian dá conta de como na Inglaterra, país onde muitos autores ganham a vida indo de apresentação em apresentação, há perdas sérias para os autores:

Children’s author and illustrator James Mayhew, who writes the Ella Bella Ballerina books, said he has had 13 events cancelled this week alone, amounting to losses of around £6,000.
“It suddenly seems like all of my many possible sources of income are about to evaporate. I rent and am self-employed. I am the breadwinner in my home,” he said. “Am I about to see a 31-year career come to a halt? Of course, I look at the bigger picture – what the virus has done to Italy. It breaks my heart. Health before wealth, always.”
Nos Estados Unidos é mais brutal, sobretudo para os livreiros, dado que o eufemístico lay off é consideravelmente desregulado: a cadeia livreira Powell's Books despediu 400 trabalhadores, perdão, colaboradores
As editoras sem funcionários sofrem menos, naturalmente. 
Durante pelo menos três meses, é como se de repente a economia tivesse parado, como ontem explicou (muito bem, ou seja, num discurso muito bem editado) o primeiro-ministro. 
Entrementes, as editoras e os restantes profissionais do livro não estão parados. Não podendo vender, mantenha-se pelo menos a boa relação com os clientes, a função fática: manter a ligação. 
E, perdido por cem, perdido mil, como diz o provérbio, se estamos a perder dinheiro por que não oferecer mesmo? Foi o que fez a Flop aqui. Ou pôr autores e trabalhadores a falar de livros. É o caso desta campanha #lerdoceler da Porto Editora. 
Etc. 
E vocês, o que têm a acrescentar? 


3 comentários:

  1. Como disse, acho que é uma boa oportunidade para impulsionar a leitura/compra de livros em formato digital contudo, há que considerar os impactos que isso também pode ter na venda de livros em formato físico no futuro. Nesse sentido, questiono-me se impulsionar/normalizar a leitura de livros digitais é uma boa ideia a longo prazo pois creio que, se realmente resultar e levar à desvalorização do formato em papel, será deveras complicado tentar inverter o seu impacto. Há que pensar mesmo daqui a uns meses tudo começará a voltar ao normal, contudo, vai sempre levar algum tempo até que o nível de segurança sentido pelas pessoas seja suficiente para tudo se sentir estável.
    Assim sendo, considero que a perda de dinheiro é na mesma inevitável. Creio que o que se poderia fazer seria disponibilizar obras de forma gratuita, de modo a incentivar a leitura (especialmente nesta altura tão chata onde apenas nos queremos distrair de alguma forma) e impulsionar a "traction" dos sites das editoras o que, por si só, seria benéfico pelo menos a nível de marketing.

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  2. Não acredito na desvalorização do livro impresso, pois nunca acreditei na valorização dele enquanto objeto popular. O livro, infelizmente, é feito para e pertence a uma parcela específica da sociedade. Dito isso, não acho que deixará de existir. O formato digital não o substitui, aparece apenas como uma alternativa - muito boa pra esse momento, principalmente. Porém, a leitura hoje, até pra mim que gosto de ler é um sacrifício frente as mídias "concorrentes". É difícil competir com o celular que agrega imagem, interação, música. Apesar disso, também há muita leitura nele em um formato totalmente diferente do livro impresso e do e-book, mas que hoje é extremamente explorado e acredito que fugir dele é um erro se o que queremos é atingir as pessoas. A indústria do livro já enfrenta crises há tempos. Talvez seja hora de explorar essa pandemia a favor do livro, como bem gosta o capitalismo, para vender e-books ou a escrita em outros meios, se formos capazes de produzir um bom conteúdo, assim como fez Shakespeare na quarentena por causa da peste bubônica, escrevendo Macbeth. Porém, é preciso ser um Shakespeare para tal hahahaha. De qualquer jeito, a crise, a doença, só nos mostra o quanto o sistema em que vivemos é falido. Seria interessante que daqui pra frente nós enquanto sociedade nos organizássemos para romper com o individualismo e promover o acesso igualitário a saúde, educação, literatura, arte em geral, alimentação sem veneno, esporte, etc etc. Para mim seria o ideal, apesar de não ter mais esperança no ser humano que no meio disso tudo estoca papel higiênico e álcool em gel, privando o outro do acesso. Temo que fugi um pouco do tema, mas na verdade tudo está ligado. Acredito no livro como mensagem e ferramenta e não como objeto. Talvez devêssemos tira-lo do pedestal e aceita-lo em diversos meios e formatos enquanto mensagem em si. Talvez ganhar dinheiro seja o maior problema, pois "a mensagem" é desvalorizada enquanto produto. Nós muitas vezes não achamos que é um. Na verdade eu ainda não sei como sobreviver nesses sistema capitalista como alguém que produz arte e não meramente um objeto a ser consumido.

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    1. Pôs o dedo na ferida, Luísa que confundo sempre com a Noémia. O livro é, desde Gutenberg, um híbrido. Um produto comercial (cada vez mais comercial, ao longo dos séculos e (cá estão os apocalípticos) cada vez menos sagrado, mas continua tendo prestígio. Muita gente diz que tudo está no berço: é em criança que aprendemos a gostar de estar em silêncio com folhas de papel na mão. Isto, parecendo elitista, não é: tem menino da favela filho de analfabeta que lê, porque a mãe admira muito a palavra escrita, e menino rico que não lê porque os pais o enchem de gadgets. Há muito tempo que os pobres têm vantagem a adubar o talento para o futebol porque são meninos da rua e, enquanto os burgueses iam fazer os deveres, eles ficavam na rua. Quem sabe se o livro não será a nova bola de futebol?

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