E o nosso ego? E as frustrações? Há uns anos (quando era adolescente com a mania que sabia tudo) teria tido alguns ataques de fúria com a crítica (fosse ela qual fosse e de quem fosse).
Mas a crítica é também a forma de colocar o ego no sítio ou então fazê-lo crescer, de aprender a lidar com as frustrações ou simplesmente de aprender a aceitar a sua existência.
A mim a crítica faz-me querer escrever melhor, aperfeiçoar-me. "Alguém me leu" - é isto que penso (tenho um lado egocêntrico elevado como já devem ao longo do semestre ter reparado).
E se se deu ao trabalho de ler deixo sempre o meu grato agradecimento (a não ser algum filho da mãe sem escrúpulos e que ultrapasse a linha da estupidez).
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Acho que a Margarida tem qualidades notáveis de inventiva, energia, gosto pela escrita etc. (...) Depois tem os defeitos de todos os que têm pouca experiência. (...) Um «defeito» a corrigir é a questão do humor: o humor escrito é a coisa mais difícil, porque exige timing do autor e confiança de que o leitor o tem também. Não há forma de evitar dar cabeçadas.
Mas a qualidade essencial para um escritor é a teimosia."
Palavras que me entraram lentamente na cabeça, que me puseram os pés na terra e (não posso mentir. Na verdade posso, mas não quero) mexeram com o meu ego e inseguranças. Mas fizeram-me bem. E porquê? Porque a teimosia eu tenho e só com críticas destas que dizem o bom e o mau eu posso melhorar. As cabeçadas ditas assim têm um encanto especial para mim porque esta crítica tem um enorme peso em mim enquanto "escritora". Ando sempre a inventar mil ideias, mil histórias, mas os pés têm de descer à Terra para poder melhorar.
Insistir, persistir, melhorar e não desistir. Numa só crítica vivi os pontos que enunciei no início deste texto - teimosia, persistência, gosto pela escrita, ego e frustração. E isso já ninguém me tira. Agradeço mesmo muito esta crítica porque é assim que se cresce.
Passemos à crítica dada por outra pessoa:
"No ano de 1995, andava eu na universidade, foi publicado 'O amor é fodido', do Miguel Esteves Cardoso. O gajo estava na moda. Não me lembro do enredo, mas aquilo eram palavrões em catadupa e eu achei o livro fantástico. Há alguns anos, encontrei o título numa livraria e abri-o por nostalgia. As poucas frases que li não me prenderam e as asneiras pareceram-me completamente gratuitas.
Em 'Orfeu e os seus avôs em busca do Tósão', os impropérios não são gratuitos. Por um lado, se eu, ou vocês, tivéssemos que contar as desventuras de um homossexual obeso, cujos avós partilham a mesma orientação sexual e com quem descobre ter partilhado um amante, que tem uma irmã satânica e uma avó que usa expressões como 'levar no cu' e 'esgalhar o pessegueiro', e que perde ambos os avós e um querido avôdrasto-psicólogo-amante no hiato de três semanas, também teríamos que encher o livro de palavras de má índole. Por outro lado, e isto provavelmente anula tudo o que escrevi até aqui, neste parágrafo, a Margarida não usou assim tantos palavrões (será que usou mesmo algum?), de onde se tira que lhe são caros e, muito naturalmente, ninguém está para oferecer o que é caro.
O livro, além da história que lá vem, é um cabaz de ofertas. São cinquentas e poucas páginas de papel muito grosso, no meio das quais, vêm várias fotografias de obscenidades disfarçadas. No pacote (e isto não é uma alusão ao personagem principal), vêm ainda um crachat, uma carta da autora, um pin, um saquinho todo catita e uma lâmina de barbear, colada com lacre encarnado a um envelope preto (ganda pinta!).
O conto encaixa bem nisto tudo. Lê-se de um trago. Está cheio de lugares comuns e de exageros que, individualmente poderiam parecer rebuscados, mas que no conjunto são coerentes e equilibrados. Relata-se uma existência exagerada com um exagero de palavras e expressões que lhe conferem credibilidade. O Orfeu é mesmo assim. Ao Orfeu-personagem acontece mesmo tudo. É um exagero. E, daí, ser proporcional que o Orfeu-texto contenha um desfile de provocadores atos, gestos e revelações. Exageradamente, pois claro.
Daqui a 25 anos, quando estiver a vaguear pela última livraria de rua, e bater com os olhos neste título, vou abri-lo por nostalgia. Não sei se alguma frase me prenderá então. Nem se a provocação me parecerá gratuita. Enfim, sei. "Eu, Orfeu, tenho uma verruga na ponta da pila!" é incontornável e vai ser sempre a fonte de uma gargalhada!"
Alimentou-me o ego? Sim é verdade, mas nas entrelinhas consigo perceber que podia ter sido melhor. E percebo o quanto este tipo de humor pode ser amado ou odiado. Na verdade sem crítica não vou a lado nenhum mas sem teimosia e cabeçadas é que não saio do mesmo sítio. Se daqui a 25 anos já se conhecer o meu nome no mercado então é sinal que cheguei lá.
Aquilo que escrevo traz-me algo simples: prazer, treino, insistência, ego nos píncaros, ego no fundo do poço, ilusões e desilusões.
Tanta coisa para vos dizer que sou teimosa!
E vocês como encaram a crítica? E a teimosia do escritor?
Acho que entendo todos os sentimentos, Margarida. Tenho tanto medo da minha reação às críticas que normalmente prefiro manter meus escritos escondidos onde ninguém os veja. Ou talvez meu maior medo seja o de ser ignorada. Partilho desse "problema" com o ego e concordo com sua conclusão. Teimosia e cabeçadas nos fazem persistir e as críticas sair do lugar, nem que seja da zona de conforto.
ResponderEliminarObrigada Luísa pelo teu comentário. Na verdade sou ignorada mais vezes do que me criticam. Sinto que quando começo um projeto é sempre cheia de força e depois vem o outro lado... O medo, a insegurança, a frustração, etc. Mas o não é sempre garantido e há sempre alguém que pode um dia ler e abrir uma janela. Beijo
ResponderEliminarQuando publiquei meu primeiro livro, ganhei uma crítica negativa do meu professor de Teoria da Literatura e isso me deixou muito frustrada comigo mesma: a crítica mexeu muito comigo, porque senti que poderia ser uma má exposição, um mau começo. Mas percebi que a crítica só me deixou abatida porque eu achava que o que eu escrevia, por funcionar bem na minha cabeça (com o conhecimento, a leitura e as vivências que eu tinha), funcionaria bem para todo mundo - o que não é verdade. Se eu não apresentava nada de novo, se eu repetia com pouca ou nenhuma sutileza coisas que já tinham sido escritas antes, é justo me alertarem para isso. Porque pode ter aí um bocado de egoísmo e umbiguismo, isso de achar que o que a gente faz é originalíssimo (e pode até ser, dentro do nosso universo). Depois que refleti um pouco mais sobre isso é que percebi o quanto a crítica é importante: não para absorver integralmente a percepção do outro, mas porque um toque de quem vem "de fora" é bom pra gente ver como podem receber nosso texto. Claro que há críticas e críticas, e há aquelas que têm tanta falta de embasamento (teórico, de leitor etc) e apelam tanto para o pessoal que a gente pode descartar, não perder tempo com elas.
ResponderEliminarNão sei, acho que cabe ao escritor perguntar para si mesmo o que quer fazer com sua escrita, dada a importância que cada um escolhe às críticas negativas, a uma recepção não tão satisfatória dos leitores, à quantidade de likes, às negativas das editoras, ao próprio autor não estar gostando do que escreve. E seguir na humildade. Escrever também é se editar, no fim das contas. Edita-se o escritor e edita-se a pessoa.