segunda-feira, 13 de abril de 2020

O que é um tesseracto?

Estou sempre à procura de novas formas de contar/editar uma história.

Um dos autores mais criativos que conheço - e mais bem sucedidos reformulando estruturas - é Italo Calvino. Todos os livros dele são incríveis, mas uns são mais incríveis que outros. Não podendo recomendar todos, escolho três:

  1. As Cidade Invisíveis (1972) - comprem, está à venda por 10 euros na colecção RTP, não se arrependem. Calvino usa a parte mais chata de uma história (a descrição) e faz um romance magnífico só com meia centena de descrições. 
  2. E se por uma Noite de Inverno um Viajante (1979) - talvez o melhor livro que conheço de ficção sobre o processo editorial. Um prodígio: um livro feito de dez começos de romance que, por um azar ou outro, não têm continuação, ao mesmo tempo que leva um Leitor por uma viagem romântico-realista pelo mundo da publicação e do livro. 
  3. O Castelo dos Destinos Cruzados (1969) - um cavaleiro vai por uma floresta mágica e perde a voz. Chegado a um castelo, a uma mesa redonda estão sentadas várias figuras medievais: um pajem, uma dama, um conde, um mercador... No centro da mesa, apenas um baralho de cartas do Tarot. Aborrecidos e mudos estão, até que alguém tem uma ideia: contar a história da sua aventura ou desventura recorrendo à conjunção entre três elementos: a) a escolha de algumas cartas, b) a ordem tipo BD por que as joga; c) alguma mímica.  O resultado são várias histórias em prosa, mas sempre com as cartas ao longo da margem, para as acompanharmos. Entrementes, duas dúvidas: será que a história que quem conta conta é a mesma que quem 'escuta' escuta? e será a mesma que os outros entendem? É, segundo o próprio, um livro falhado - mas que magnífico falhanço! 


Todos estes livros são um prodígio. Calvino é o contrário de Umberto Eco. Este era um semiólogo, um crítico e um académico que, depois de muito escrever sobre a Obra Aberta e James Joyce e outros textos, decidiu escrever ele próprio um romance, e o que saiu foi um belo pastiche, mas um livro que nada acrescenta (na minha opinião, obviamente) à crono-aventura do romance.
Em contrapartida, Calvino é desde muito cedo um escritor (um talento precoce) que, tardiamente, se começa a interessar por questões teóricas. 

No Youtube, encontrei por desfastio três pequenos vídeos que, sem dizerem algo terrivelmente novo, formulam decentemente questões que (não sei bem como, mas intuo) nos podem ajudar. Micro-aulas, se quiserem. O primeiro sobre como a técnica tem de ser ampliada por uma atitude mental,o segundo sobre o que é o tesseracto e aqui o terceiro sobre a psicologia da resolução de problemas.

O domínio técnico faz de nós competentes. Mas competente = medíocre. 
Já não é mau, mas...

Nota de rodapé: a minha admiração por Calvino levou-me a lê-lo todo, a descobrir na feira do livro que já tinha sido cá editado nos anos 60 mas caíra em desuso, antes de com a morte virar a ser moda, e tentei imitá-lo. Depois percebi que a admiração não fazia de mim seu igual: enquanto leitor tenho superpoderes, consigo (porque sou inteligente q.b.) compreender um ror de textos, viajar por universos e estilos, mas enquanto autor estou preso a mim próprio: a uma só forma de dizer/pensar, a uma mão cheia de temas, a um corpo-mente limitadito...

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