1. Exercício do dia (se acertou, deixe um par de dias para os colegas responderem):
«UM CAÇADOR TINHA UM CÃO E A MÃE DO CAÇADOR ERA TAMBÉM O PAI DO CÃO.»
Consegue, apenas com um acrescento na pontuação, tornar esta frase surrealista numa fala razoável?
2. Balanço da aula de ontem e planos para breve:
Usaremos também os outros meios de comunicação
(rz@fcsh.unl.pt, tel. 916919331, etc.), mas sugiro que,
diariamente, consultem este blog, tanto a ver se o docente postou algo novo como se os colegas apresentaram a sua resolução para um exercício ou publicaram um artigo de interesse.
Ontem, foram há aula alguns alunos (nomeadamente,
a Luísa) e fizemos um pequeno ponto da situação, tendo a aula durado metade do normal e sido mais expositiva:
2.1. Apocalípticos e Integrados é o título de um grande livro de Umberto Eco, hoje fundamental no cânone das ciências humanas, nomeadamente comunicação, cultura e, sim, edição.
Tanto os «apocalípticos» como os «Integrados» representam dois modelos extremos de reacção às mudanças na cultura, na educação, na edição ao longo do século XX, o século de todas as revoluções tecnológicas, nomeadamente na cultura de massa e nos meios de comunicação de massa, vulgo
mass media.
Jornais de grande tiragem, livros com temas vulgares e triviais, rádio, discos, cinema, TV, Internet etc.
Os apocalípticos choram a perda de qualidade com a democratização. Há mais alunos nas escolas mas a qualidade geral baixou. E também:
- O essencial virou acessório com a invenção da rádio e do CD: em vez de estarmos focados a ouvir a orquestra, usamos Mozart como acessório enquanto estamos a fazer outras tarefas. É um crime lesa-Arte!
- A qualidade dos livros baixou, graças a um afluxo de piores leitores, mais ignorantes. O nº 1 na tabela agora é a autobiografia de Cláudio Ramos (intitulada, mui justamente, Eu) em vez de ser Os Passos em Volta de Herberto Hélder, ou uma qualquer obra-prima.
- As montras das livrarias são para maus livros, sendo os bons expulsos do templo. Os vendilhões expulsaram os livros-Jesus do Templo!
- A avaliação da qualidade é nivelada por baixo.
- Os analfabetos fazem descaradamente crítica literária: «Saramago não presta!», diz um ignaro;
- ou, pior ainda, os maus escritores ganham o Nobel: «Saramago não sabe escrever!», dizem muitos membros da elite portuguesa.
- A cultura deixou de ser desfrutada e passou a ser consumida. Já não há leitores, só consumidores.
- As redes sociais tornaram-se um esgoto a céu aberto, onde as pessoas só praticam ódio e consultam pornografia.
- Etc.
Os integrados acham tudo excelente. Só melhorou:
- Essencial e acessório são decisões individuais. Temos de confiar na inteligência das pessoas.
- Mais gente tem enfim acesso à Cultura. Já não é preciso ir a Londres ou à Gulbenkian para ouvir uma grande orquestra. Por apenas cinco euros tenho os maiores génios a tocarem para mim.
- Ler um mau livro é melhor que não ler livro algum. Um mau produto pode levar (elevar) à leitura um dia de um bom produto, pois aguça a curiosidade.
- O nível geral baixou, mas por uma boa razão: finalmente os filhos dos pobres entram nas escolas. Milagres não se fazem num dia, mas isso é essencialmente bom. Há mais gente a comprar livros que nunca.
- É maravilhoso como o neto de uma analfabeta (ver o discurso de aceitação de Saramago em Estocolmo) pode ganhar o Nobel da Literatura.
- O discurso de aceitação de Saramago está disponível online, bem como a mais alta literatura dos últimos séculos, quase toda downoaldável gratuitamente!
- Ser consumidor já não é mau. O consumo de cultura é bom, mesmo que titubeante.
- As redes sociais são essencialmente boas - é bom que as pessoas se exprimam, opinem, assim se treina o gosto.
- Etc.
Como vemos, são extremos simétricos. Na verdade, de Sancho Pança e Dom Quixote todos temos um pouco. Ter os olhos no céu mas os pés na terra.
E fazer dinheiro é o primeiro dever de uma empresa - ser solvente. O segundo, sim, é ter boas práticas. Mas uma empresa insolvente não faz nada.
Tradicionalmente, os belos discursos vêm de quem tem outras fontes de rendimento.
2.2. A raposa e a cegonha, a princesa e a ervilha
Lembrámos dois contos exemplares. o da princesa é a definição mesma de um bom profissional: a um bom mecânico basta ouvir o motor do carro para saber qual é o problema, quase sempre. Ou pelo menos suspeitar.
O da raposa e da cegonha desmascara os falsos moralistas: aqueles que, gostando só de fazer montanha, dizem que é imoral ir à praia. Há editores que precisam de fazer dinheiro (ou passam fome) e outros que, sendo ricos, dizem alarvidades como «Eu nunca me venderia!».
2.3. Os próximos dias
- Não posso dizer sequer se há aula na próxima quarta. Por mim sim, mas vamos ver como o cenário evolui.
- Vamos presumir que não. Assim, as aulas serão sobretudo aqui - não a uma hora fixa, mas antes a informação afixada, e cada um lê quando quer, ou se quiser.
- A cada um consoante as suas necessidades. Respondo individualmente aos alunos ou aos grupos. Nem todos são de edição (esta cadeira não é central, é acessória, e também está bem), nem todos têm os mesmos interesses.
- Aos meus alunos chineses: a vossa prioridade, para mim, continua a ser o exercício da língua. Comunicação oral e escrita. Leitura, audição de canções, karaoke etc. Há muitos métodos. Só com um excelente domínio da língua podem usufruir do resto. Não se isolem!
- Façam pequenos grupos de trabalho. Podem ser dois, três, quatro, mas apliquem o princípio do escritor e seu editor/revisor/leitor/consultor.
- Tentem encontrar um projecto que queiram como final: um capítulo de livro, com um autor e um editor.
- E façam os exercícios e comuniquem comigo sempre que quiserem. Se não responder em 24h, voltem a lembrar-me. Regra: a parte interessada é que deve insistir. É uma das tarefas mais correntes em editoras e jornais.